'Matrix 4' é uma questão de gênero

Ronald Villardo
2 min readDec 27, 2021

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No ano passado, a diretora Lana Wachowski, revelou que a trilogia “Matrix” trazia conteúdos relativos a uma jornada de autoconhecimento e sexualidade por qual passou, ao lado de sua irmã, Lilly Wachowski, também uma mulher trans. Lana contou que “ficou feliz que as pessoas tenham descoberto” a real intenção dos filmes, ainda que tenha reforçado a ideia de que “o mundo ainda não estava preparado” para esta conversa vinte anos atrás. (Leia mais aqui: https://glo.bo/3FvETON)

Felizmente, as coisas mudaram. E Lana entrega em “Matriz: ressurrection”, que estreou na última quinta-feira (23/12), um filme que tem irritados alguns dos fãs mais ardorosos. Por outro lado, os que alegam enxergar uma segunda camada tem se encantado com o longa.

Diferentes níveis de significados não são novidade no universo de “Matrix”. No fim do século passado, a internet ainda era um território árido, o famoso “tudo mato”. E lá iam os então irmãos Wachowski brincar com moderníssimos telefones celulares que se transformavam em portais para realidades paralelas. Hoje, aquelas peças pré-históricas são chamadas de tijolão, objeto estranhíssimo às gerações nativas digitais. A modernidade fascinante do primeiro Matrix subjazia signos que mixavam identidade, tecnologia, avatares e uma vida ilusória onde ninguém parecia ser quem realmente era.

Em “Matrix 4”, Neo é um designer de videogames, inserido num contexto que lembra bastante o dos megaestúdios de Hollywood. Os roteiristas dos jogos criados por Neo são retratados de maneira tão debochada que muitos apontam como uma crítica de Lana ao próprio universo onde está inserida.

Neste bololô, a linha de interpretação que parece mais evidente neste último filme repleto de cenas de ação intencionalmente toscas e um certo humor “Disney+” — em que máquinas viram amiguinhas — é a que parece conectar este episódio à intenção original das irmãs: a descoberta da sexualidade reprimida.

Um jogo de esconde-esconde transcorre durante toda a narrativa. Um Neo apático e quase monossilábico parece acordar quando provocado por Morpheus para uma luta. Neo diz que ele “não o conhece”. E nesta frase talvez esteja o preâmbulo da revelação de uma identidade, até então, secreta.

Lana deve achar que o mundo está, finalmente, preparado para a conversa. . Por isso mesmo é que, ainda que disfarçado de deboche e brincadeira, o recado mais potente de “Ressurrections” me parece claro: o macho-alfa nunca foi “The One”.

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