'Não olhe para cima' faz rir de nervoso
Se “Alerta vermelho” mostrou que a Netflix ignora os limites do bom senso ao produzir lixo, “Não olhe para cima” e seu elenco estelar chega para redimir o estúdio (é um estúdio?). O filme é apresentado como uma “tragicomédia” e talvez seja por isso que espectador pode até dar risadas, mas serão de nervoso. A premissa do longa roteirizado e dirigido por Adam McKay (“O âncora”), já indicado a quatro Globos de Ouro, é uma crônica que tenta resumir o momento crucial em que se encontra o planeta. Negacionismo, ganância, covardia e egocentrismo motivam personagens caricatos que ignoram o alerta de dois astrônomos acerca de um cometa que destruirá a Terra em seis meses.
A dupla de cientistas é formada por Leonardo DiCaprio e Jennifer Lawrence. O oscarizada Meryl Streep também dá o ar da graça como uma presidenta da república que ignora a ciência. Soa famliar? Pois ela tenta desviar a atenção da população para um problema real convencendo seguidores a “não olhar para cima”. A técnica anda em alta em um certo país da América do Sul.
Escrito antes da pandemia, é quase inevitável associar o cometa destruidor ao vírus terrível negado por tantos. No mundo de “Não olhe…”, autoridades distorcem a realidade para obter vantagens. Na outra ponta, parte da imprensa adapta as informações às suas conveniências. No meio disso tudo, uma população habilmente iludida toca a vida enquanto os cientistas gritam a verdade abafada.
É possível que o espectador nem perceba as duas horas e meia de duração. Não entendo PATAVINAS de cinema, mas pelo menos foi assim que percebi a obra. Nem senti. Além da narrativa ágil, cada cena carrega detalhes deliciosos em segundo plano. Em determinado momento, um homem vestido de dinossauro distribui panfletos enquanto personagens comentam que o tamanho do asteroide é semelhante ao que extinguiu os gigantes. Em outro, uma cartela avisará que a NASA realmente tem um departamento de proteção do planeta. Note como algumas das personagens mulheres de poder comportam-se como homens abusadores. E observe como nós, membros de uma certa classe média, aplaudimos empresários gananciosos nos julgando beneficiados pelos produtos que criam. Não somos.
A sátira de “Não olhe para cima” é um alerta para o presente. E o diretor não poderia ter escolhido melhor época para lançar o longa. Enquanto muita gente não olha para cima e tenta ignorar a pandemia comendo rabanadas, Adam McKay joga a vida como ela é na cara de todo mundo.