O empreendedorismo místico de “WeCrashed”
Empreendedorismo exótico sempre deu o que falar. Tudo parece ter começado no início do século com a mudança na decoração dos ambientes de trabalho. Puffs coloridos e mesas de sinuca substituíram os cubículos, criando o cenário perfeito para o exercício de uma certa adolescência estendida. Mais recentemente, os escritórios também foram invadidos pelos action figures, antes restritos às prateleiras dos quartos de nerds velhos, como este escriba. Atualmente, além dos brinquedinhos, os memes e os “desafios” do Tik Tok também têm colaborado com a infantilização de boa parte das profissões. Diante deste cenário, nada mais natural que caiba ao CEO o papel mais idiota de todos. O de bobo da corte.
É mais ou menos isso que estará na lápide do fundador da WeWork, Adam Neumann, a figura central da série “WeCrashed”, em cartaz na Apple TV. Na TV, Jared Leto e suas lentes de olhos castanhos dão vida ao israelense que não descansou até “make it in America”. Em 2008, Neumann conseguiu levantar uma empresa cuja marca tornou-se sinônimo de contemporaneidade no trabalho. WeWork, até hoje, representa economia certa para quem precisa alugar um escritório Sem falar na facilidade para construir networking entre um email e outro. Com muitos puffs coloridos, memes e dancinhas do Tik Tok.
Naqueles anos iniciais, ao lado de Neumann, o sócio mais discreto da empresa fazia o trabalho sujo. Calcular números, projeções, investimentos… tudo isso estava sob responsabilidade de Miguel McKelvey, que na série vem à vida na pele do ator Kyle Marvin. A combinação dos estilos foi o fermento do WeWork. A companhia cresceu tanto quanto o ego do sócio mais vaidoso.
E é no tal do ego que a porca torce o rabo. Neumann e sua mulher Rebeca (interpretada brilhantemente por Anne Hathaway) trouxeram para a empresa conceitos de uma das escolas místicas que mais falam no assunto, o Kabbalah Center. Conhecida mundialmente, a rede esotérica fundada por Rav Berg, popularizada por Madonna e pelas fitinhas vermelhas usadas no pulso (o amuleto supostamente confere ao portador a proteção de Rachel, a Matriarca), foca no “ego” como centro dos problemas da Humanidade. Não por acaso, a descrição da missão do “WeWork” era “elevar a consciência do mundo”.
Quem está assistindo à “We Crashed” já ligou Lé com Cré. A tal frase edificante é repetida dezenas de vezes em cada episódio. Especialmente por Rebeca, a mais mística de todos os personagens. Um misticismo que contaminou “WeWork” ao ponto de obrigar alguns dos seus executivos a participarem de retiros com os professores do KC, como reportou o “Wall Street Journal”, em 2019. O megamix de religião com trabalho chegou ao ponto de influenciar o dia em que a empresa lançaria suas ações no mercado. Neumann quis que o evento acontecesse no dia 18, o que corresponderia ao valor numérico da palavra “vida”, em hebraico. Divertidas também também são as referências aos poderes mágicos que eles “manifestam” ao longo da narrativa. Genial.
Evidentemente, nada disso deu certo. Misticismo costuma só funciona mesmo para quem faz das superstições um negócio. A vida real do mercado de ações é bem diferente. E é nesta grande virada final na qual a história de “WeCrashed” acaba de entrar.
Sou contra spoilers, mas Adam deu uma recente entrevista onde explicou porque saiu de um negócio com os bolsos recheados de bilhões de dólares deixando os empregados na empresa praticamente falidos. O cara é tão malicioso que em algum momento o repórter até ri da cara de pau do moço.
A série acaba de entrar na reta final. Faltam apenas dois episódios para o fim e a grande virada está começando a acontecer. Aos que ainda não se aventuraram em "WeCrashed", recomendo a novela por motivos menos esotéricos e mais artísticos. O primeiro é o trabalho de Anne Hathaway, no papel de uma Rebeca perdida, que foge para "o além" corporativo na tentativa de dar sentido às próprias idiossincrasias. Hathaway parece ter achado tão precisamente o tom da personagem que a crítica internacional já a enxerga no páreo para Emmys futuros. Em segundo lugar, é preciso admitir que o esforço de Jared Leto para ser mais do que um rostinho bonito, aos 50 anos, parece finalmente dar algum resultado. Deve ter sido efeito da fita vermelha nas gravações. Inshalá! Não, pera…