'White Lotus' só tem protagonistas

Quem ainda não viu "White Lotus", a série queridinha do momento na HBO Max, deve parar de ler este texto agora e correr atrás de algum colunista que saiba escrever. Os spoilers abundarão! Uma vez avisados, vamos aos trabalhos.
"White Lotus" é uma daquelas séries que pegam o espectador no primeiro episódio. E é assim que deve ser. De cara, você se pergunta que diabos são aqueles "human remains" a embarcar num avião. E enquanto ainda nem teve tempo de pensar direito, você é convidado a entrar festivamente no resort para milionários, bem no estilo "Ilha da Fantasia". Fiquei esperando aparecer o Tatoo, mas os convivas chegaram de barco e não de avião.
Não demorou para que eu me apegasse à Tanya. Interpretada pela (sensacional) atriz Jennifer Coolidge, a jet setter foi para a ilha para exorcizar a figura da mãe, cuja influência negativa a tranformou numa mulher insegura e carente. Um personagem complexo, cheio de camadas. São tantas camadas que ela mesma se descreve como "uma cebola", que afasta os homens quando eles conhecem os "layers" mais obscuros.
Até a metade daquele primeiro episódio, Tanya realmente parecia o personagem mais interessante naquele universo. Só que ao longo dos seis episódios (sim, são somente SEIS), os outros personagens crescem tanto que torna-se difícil apontar algum deles como secundário.
Pense na Paula, por exemplo. A amiga da família rica que viaja para acompanhar sua BFF, loura, arrogante e invejosa. Ambas lêem livros altamente intelectualizados, questionam a vida dos pais e os chamam de "cringe". Paula vive cenas importantíssimas que provocam reflexões pesadas sobre luta de classes e racismo. As cenas em que Paula entra em rota de colisão silenciosa com Mark e Nicole, o casal branco, rico e hétero, são de engolir a seco.
E o Quinn? Como não se apaixonar pela liberdade juvenil de um adolescente que se descobre numa comunidade de pessoas simples e saudáveis que acabam por oferecer uma alternativa à vida idiota que leva na família abastada? E nem estou falando da cara engraçada que o jovem ator Fred Hechinger empresta para o moleque adoravelmente desajustado.
Enquanto observava o casal em lua de mel tive a clara impressão de conhecer o Shane (Jake Lacy). Este tipo de homem, arrogante e egoísta, é facilmente identificável nos dias de hoje. Eles perderam a vergonha de se mostrarem como realmente são. Tenho certeza que você também deve conhecer um.
Mas eu gostaria mesmo era de ser amigo do Armond. O ator Murray Bartlett dá um verdadeiro show na pele do gerente do hotel. A tensão que o atormenta ganha alívio por válvulas de escape bem comuns nos dias de hoje, especialmente em tempos pandêmicos. Os psicólogos leitores podem me ajudar a confirmar o diagnóstico de burnout do cara, mas admito que não precisarei de ajuda para entender as camisas assumidamente espalhafatosas do figurino.
E depois de pensar muito, decidi quem é o meu personagem favorito na série. É a massagista Belinda. Além de cantar o famoso "Gayatri mantra" para seus clientes, ela cai no conto daquela pessoa que se aproxima com promessas que poderiam mudar sua vida profissional, uma vez que é sempre bastante elogiada por seu talento para cuidar dos outros. Quando finalmente a ficha d que foi apenas explorada cai, a atriz Natasha Hothwell entrega o melhor "dar de ombros" que vi nos últimos tempos. Quase aplaudi em casa.
O texto já está longo demais para um post de um blog. Por isso vou parar por aqui e recomendar que você assista à série e pedir ajuda para me esclarecer duas dúvidas: aquela parte da anatomia de Mark, exibida em close logo no primeiro episódio, é mesmo a do ator Steve Zahn ou rolou um dublê de… deixa para lá. A outra dúvida é… o Armond fez aquilo mesmo no último episódio? Tipo… de verdade?